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RENATO ZUPO

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O Direito de Matar

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Só os soldados em guerra e os carrascos foram e são autorizados por seus governantes a matar. Além deles, a lei só permite o extermínio da vida humana em casos excepcionalíssimos como, por exemplo, na legítima defesa. Há algo de muito estranho e de muito errado em um Estado que mata oficialmente. É como se estivéssemos voltando à barbárie da inquisição, à idade média feudal, ou se vivêssemos em um fundamentalismo radical e absolutamente fora de moda. Ao executar um criminoso voltamos duzentos, trezentos anos no tempo e reprisamos a pior parte do pior filme da história da humanidade.

No Brasil, os baixos índices de eficiência na educação ministrada aos nossos jovens representam apenas a ponta de um iceberg repleto de problemas que tornam nossa sociedade injusta. E essa sociedade cria monstros. Não podemos, portanto, matar os monstros que criamos. Em outros países, sejam eles de primeiro mundo ou adeptos de um estado fortemente enraizado em dogmas religiosos, tampouco se justifica matar um semelhante que tenha cometido um crime, hediondo que seja. Ainda que se fale de uma nação próxima da perfeição (obviamente não é o caso do nosso país) com os melhores índices de desenvolvimento humano, por mais eficiente que seja o carinho estatal com o cidadão contribuinte, e ainda que não existam abismos sociais e culturais segmentando a população em castas sócio-econômicas, ainda assim não se pode conceber um Estado que mata institucionalmente.

Atualmente, somente dois tipos de países ainda autorizam a pena capital, eufemismo hipócrita para a conhecida pena de morte. Só em Estados controlados pela religião, geralmente no mundo árabe, ou em outros com forte controle puritano de seus costumes, como em alguns dos estados da federação norte-americana dos Estados Unidos. O que essas espécies de povo e governo tem em comum? São, na verdade, representantes de um arcaico paradoxo cultural encravado em um mundo globalizado que não mais comporta o controle religioso ou moral das pessoas, e que respeita minorias e diferenças étnicas, culturais e de credo.

O Estado não pode matar. Entendi isso quando presenciei Saddam Hussein sendo executado em tempo real através da internet. Não me esqueço do que disse ao seu carrasco, já no cadafalso e prestes a ser enforcado: \”você é corajoso, hein?\”, e começou a orar para o seu Alá. Foi irônico e certamente se tornou um mártir para muita gente, porque é isso que transforma a opinião pública: o sofrimento. Talvez cumprindo uma pena rigorosa, mas que o permitisse permanecer vivo, o ex-líder iraquiano fizesse menos mal para a humanidade do que imolado como o foi. O Estado que admite a pena de morte está se confessando incapaz de conter o problema da criminalidade. Executar criminosos nada mais é do que emitir um atestado de incompetência funcional, porque um dos direitos do cidadão é ser reeducado através do cumprimento da pena, quando condenado pela prática de um delito.

Com a pena capital o governo se iguala ao criminoso executado em torpeza, institucionalizando a hediondez do extermínio de um semelhante. Ninguém nasce ruim, ninguém nasce bandido. As pessoas crescem e se desenvolvem, criando freios morais. Ou não. O Estado não pode somente atuar com rigor no final da curva do rio, para punir duramente com a morte o indivíduo inadequado à vida comunitária. Que seja rigoroso antes, cobrando um ambiente familiar saudável e boa educação para aqueles espezinhados pelos azares da vida. Matar é fácil. Viver é que é difícil. E as principais finalidades da pena, que são a repressão e o exemplo, deixam de se realizar com a adoção da pena de morte: é imperioso lembrar que o brasileiro executado recentemente na Indonésia sabia perfeitamente que naquele país poderia pagar com a própria vida pelo tráfico de drogas que praticava. Nem isso o intimidou, porque o que impede o crime não é o medo da pena, mas a certeza da punição. Só a crença na eventual impunidade é que fomenta o delito e atiça a sanha criminosa dos desvalidos de espírito.

Renato Zupo,
Juiz de Direito.

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