Meu amigo blogueiro Jorge Santana costuma dizer que Futebol que é esporte é aquele jogado na várzea ou treinado nas aulas de educação física. Futebol competitivo nada tem de esportivo, é entretenimento, é negócio. Os jogadores usam o preparo físico para entreter, encantar e ganhar dinheiro, assim como um ator, por exemplo, ou uma modelo. Usam o corpo para obter um efeito imediato, seja uma cena de cinema ou o lançamento de uma coleção de moda. E também para fazer gols. Corre muito dinheiro em uma competição de futebol, mais ainda em uma Copa do Mundo, mas ainda acho que o conceito de esporte não se perde no meio desses cifrões. O esporte, ou “desporto” como diz nossa Constituição Federal, permanece inerente à atividade do jogador de futebol e de todo e qualquer atleta profissional porque representa um ideal: o menino da favela, a criança pobre, o adolescente marginalizado da periferia, levanta de manhã e vai para o campo de várzea, ou para a quadra, ou para a piscina, inspirado pelos exemplos profissionais de atletas bem sucedidos. É nisso que reside o esporte: em um ideal. O espírito olímpico, por exemplo, simboliza bem isso, a superação, o espírito de competição, o “fair play”. Pouco importam os dólares e euros envolvidos nisso.
Cristiano Ronaldo é um ídolo indiscutível no mundo e mais ainda em sua terra de origem, Portugal. Messi é amado por argentinos e espanhóis e por todos que gostam do futebol bem jogado, tal qual Maradona sempre será um ídolo das multidões. Em Buenos Aires ousei discutir com um taxista portenho sobre a drogadição de Don Diego e dele recebi uma aula de cidadania em resposta, que já reproduzi por aqui: quanto mais Maradona erra, mais se assemelha ao seu povo e mais é amado. É assim no mundo todo com os ídolos locais e internacionais. Menos no Brasil. Aqui se fala de Pelé pelos milhões que ganha, pelas ex-mulheres que tem, pela filha que não reconheceu, pelo filho que foi preso. Não se idolatra sua genialidade. Poupam um pouco mais Ayrton Senna porque morreu cedo, mas ainda dizem que era gay, que namorava modelos bonitas de fachada, que era um chato, etc… Paulo Coelho, autor dos mais lidos no mundo, é recebido na mesma toada: escreve mal, seus livros são autoajuda barata, é um mago charlatão… Gente, ele é adorado e suas obras devoradas no mundo inteiro, está rico para várias gerações vendendo livros, e nós por aqui a apedrejá-lo. Que estranha gente é essa, esse povo brasileiro, com um complexo que, se não é de vira-latas como dizia Nelson Rodrigues, é de uma autofagia já prevista pelo personagem Macunaíma, de Mário de Andrade: imolamos a nós mesmos no altar da desilusão moral e sempre haveremos de reconhecer os podres dos ricos e poderosos e ocultar-lhes as virtudes, criticar desacertos e considerar êxitos acidentes de percurso irrelevantes. Estes somos nós, brasileiros, para o bem e para o mal.
O dito pelo não dito.“Não adianta chorar. Não adianta juntar as mãos em súplica. É preciso envelhecer.” (Virginia Wolf, escritora inglesa).
Magistrado e Escritor