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RENATO ZUPO

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voz nas ruas

A voz das ruas

ENTRETANTO

No julgamento de um habeas corpus recente, Celso de Mello justifica a supressão de garantias individuais para “defesa do estado democrático de Direito”. Esta decisão é, depois, utilizada pelo Ministro Alexandre de Moraes, para prender, monitorar, e calar detratores no inquérito das fake News, que é aquele inquérito embasado em fato que não é crime. O único da moderna história da República. Ora, não é possível a existência de um estado democrático de Direito sem garantias individuais as mais óbvias, todas elas contidas no art. 5º da Constituição Federal, dentre estas a liberdade de expressão. Se as suprimo ao fundamento da proteção constitucional do estado democrático de Direito (são as palavras do Ministro Celso de Mello), estou aí sim destruindo a este estado constitucional. Isso ocorre, no pensamento destes ministros, porque resolveram seguir os ditames de outro colega, Roberto Barroso, que disse recentemente que devemos, juízes, ouvir mais as vozes das ruas – aqui, também ele fica para a História. O argumento serviu para Mello suprimir o direito de pessoas se manifestarem abertamente na internet, e serviu para Moraes prender jornalistas e empastelar blogs e sites. A tal da voz das ruas é perigosa…

Democracia representativa.
Qualquer menino de escola sabe que vivemos em uma democracia representativa. Ou seja, votamos nas pessoas que irão nos comandar por alguns anos, e as eleições acontecem de tempos em tempos para que se conviva com uma alternância democrática no poder. Também pagamos impostos para que sejam realizados concursos públicos para o preenchimento de cargos de juízes, promotores, delegados, policiais, etc… Ou seja, não só o voto, mas o dinheiro de nossos impostos também é destinado à escolha daqueles que irão nos representar. Portanto, merecemos políticos, magistrados e policiais que decidam e atuem em nosso benefício, para o nosso bem estar – escolhemos este tipo de governo lá atrás, quando proclamamos a república e apeamos Dom Pedro II do poder. As constituições que se seguiram, nenhuma delas (atenção) suprimiu a representatividade democrática como um dogma a ser seguido sob pena de solapar o próprio estado democrático de Direito. Mas, quando optamos por “ouvir a voz das ruas”, retiramos dos ombros dos agentes políticos de poder toda a responsabilidade decisória sobre o futuro da nação para entrega-la ao conglomerado midiático, aos impulsionadores digitais, aos deformadores de opinião e homens de imprensa. Ou seja, recebemos por um produto que não entregamos – ou, o que é pior, novamente conforme os dizeres do Ministro Barroso, terceirizamos a entrega. A opinião pública é sanguinária, perversa, má. A opinião pública crucificou Cristo.

Cidadãos de segunda classe.
A oitiva das vozes das ruas para suprimir direitos em detrimento de garantias constitucionais básicas e óbvias, indispensáveis em um regime democrático, é a consagração entre nós da teoria do penalista alemão Gunther Jakobs. Segundo este, há cidadãos de segunda classe, que não merecem as garantias constitucionais padrão, digamos assim, “standard”, porque são inimigos do Estado e como tais não podem ser protegidos por este mesmo Estado durante a persecução criminal, o processo penal, ou mesmo a manifestação de sua opinião ao longo de ações judiciais a que venham sofrer. Ou seja, para estes inimigos do estado, para estes cidadãos de segunda classe, garantias individuais constitucionais como o direito à presunção de inocência e ao devido processo legal sucumbem e não devem ser respeitados. O direito à livre manifestação de pensamento? Esse nem se fala. Quem é jogado as feras sem direito a defesa ampla no meio do matadouro que é o processo penal brasileiro não tem, mesmo, vez e voz, dentro ou fora deste processo.

Argumento sedutor.
O argumento de Gunther Jakobs é sedutor, se estamos falando de um chefe de quadrilha de narcotraficantes, de um estuprador ou de um latrocida. Se é um réu por crime grave e multireincidente então, a teoria é apaixonante. Para quê proteger quem nos acua, nos fere e nos apavora? Há, por isso, ardorosos fãs desta teoria de Jakobs, muito embora (é claro) ela seja claramente contrária à nossa Constituição Federal, que nos iguala a todos lá desde o seu artigo primeiro. Agora, operá-la contra jornalistas, contra políticos, contra impulsionadores digitais, isso está muito longe do dever geral de prudência que devem ter todos os magistrados do mundo, porque aqui estamos falando de subjetividades quando falamos de opinião. Aquilo que para mim é antidemocrático, para você é o exercício regular de um Direito. Aquilo que para mim é opinião saudável, para você podem ser fake News. Suprimir direitos ao arrepio da constituição federal, reinterpretando-a embasado em argumentos de ocasião, sentimentos pessoais ou humores e amores, é temerário, para dizer o mínimo. É julgar com o fígado.

Vítima da ditadura.
O presidente Bolsonaro é, eu já disse aqui, o único presidente em exercício da história da humanidade que é vítima da ditadura. Isto mesmo. A ditadura aqui não é a poder de baionetas, não é na base do pau de arara, é a ditadura cultural hegemônica, que tenta nos tornar a todos socialistas sem que o saibamos – a frase é do filósofo socialista italiano Antonio Gramsci. Querem prova disso? O que fizeram com o ex-ministro Abraham Weintraub, na prática, não difere muito do exílio político, não é mesmo? E quer me parecer que Fabrício Queiroz temia, mesmo, por sua vida, tanto que se escondeu de tudo e todos no sítio de seu advogado até ser preso. Isso tudo é coisa de época de supressão de direitos e garantias, de regime de exceção, de anos de chumbo. Só que este movimento friamente concatenado e supervisionado pelos verdadeiros detentores do poder (é muito fácil conhece-los), não contava com a enorme, com a intensa popularidade do presidente da República. Ainda hoje, apesar do tiroteio que enfrenta diariamente, fomentado pela pandemia, Bolsonaro se sairia vitorioso em primeiro e segundo turnos contra quem quer que seja dentre os próceres da política nacional . Querem apostar mais? Vão arrumar outro escândalo contra ele – não desistem enquanto ele não renunciar ou sangrar mais até inviabilizar sua reeleição. É esperar (pouco) para ver.

Escolher é perder.
Uma criança me disse isso certa vez. Chorava porque tinha que escolher entre um brinquedo e outro. Sabia que aquele que escolhesse passaria a fazer parte de seu mundo infantil – mas também sabia que o outro seria para sempre relegado ao esquecimento e que sua escolha importaria em um adeus definitivo. Ao menos, no sentido que uma criança pode dar ao termo “definitivo”. Mas assim são as escolhas: lá atrás, quando dei baixa no Exército, optei pelo vestibular para Direito e não para Jornalismo e Comunicação Social. Dos meus dois pendores, escolhi o mais prático. Não me arrependo, mas é claro que aquela escolha de trinta anos atrás me influenciaria por toda a vida e, de certa forma, a alternativa que descartei fechou para mim portas que nunca mais se reabririam. Pois bem. Governar também é fazer escolhas. Algumas doídas, como demitir ministros e secretários, trocar lideranças políticas ou presidências de partido. Muitos dos argumentos políticos que embasam estas decisões cruciais jamais chegam ao nosso conhecimento porque são fundamentos interna corporis, coisa de meandro e bastidor de poder. As escolhas são definitivas, mas o que as embasa nem sempre é a retaliação ou o assassinato de reputações. E, quando o processo se dá de maneira civilizada, não há motivo para distensões e inimizades entre os protagonistas desta dança de cadeiras que é a política nacional .Uma das mais proficientes deputadas federais, a Dra. Bia Kicis, foi alijada do comando do PSL, que é o ex-partido do presidente da República. Não vejo, contudo, neste movimento natural da política um afastamento dela de Jair Bolsonaro. Kicis é uma deputada independente, e como não vota obrigatoriamente a favor do governo, quando não concorda, incomodou a alguns correligionários mais fanáticos e menos racionais do que ela, das melhores congressistas desta legislatura.

Tuitadas do bem e do mal.
O Twitter bloqueou contas de Luciano Hang, Allan dos Santos e Sara Winter, dentre outros. Curioso que estes caras sejam chamados de “apoiadores de Bolsonaro”, porque na verdade simplesmente são conservadores, não são de esquerda e, a bem da verdade, apoiam quem bem quiserem. Cuidado, esquerda: lembrem-se de Maiakovski: hoje, a ditadura cultural não os incomoda. Amanhã irá fazê-lo. O ditador é ditador para todos os lados, o único lado que lhe interessa é o do próprio umbigo.

Mandetta e Moro.
Tudo é especulação dentro deste devaneio de incertezas jurídicas que assombra a nação, mas ouso arriscar que um destes dois aí acima vai travar combate com Bolsonaro em 2022. Talvez ambos, e em chapa única. Achei Mandetta correto ao sair do governo de maneira elegante e acredito que vá se candidatar a Presidente ou vice, mas perde. Mandetta não tem cheiro de povo, e político assim só ganha em São Paulo. Quanto a Moro, é odiado pela esquerda e pela Direita, tem o carisma de um ventilador e a coerência de uma rosa dos ventos. É o Richelieu da política brasileira. E tem o que fez com a deputada Carla Zambelli: usou uma mensagem dela, que é sua afilhada de casamento, um recado privado, para bancar o dono da verdade em rede nacional. Isso é falta de educação doméstica, é narcisismo puro.

O Dito pelo não dito.
“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e,conhecendo nosso medo,arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.” (atribuído ao poeta russo Wladmir Maiakovski).

 

Renato Zupo
Magistrado e Escritor

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