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RENATO ZUPO

Magistrado • Escritor • Palestrante

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O fim do futebol brasileiro

ENTRETANTO

Na última copa do mundo um fato curioso me chamou a atenção durante os preparativos para o início do torneio. O Jornal Nacional publicava a cada edição um quadro com um perfil de um a um dos jogadores convocados por Felipão para tentar o hexacampeonato mundial. Tentei assistir a todos e, quando não consegui, recuperei as matérias pela internet. Percebi, embasbacado, o quanto mudou o perfil do boleiro, do futebolista brasileiro. Nada dos negros desdentados e dos pobrezinhos de favela, como antigamente, como a bem pouco tempo atrás. Havia dentre os nossos atletas uma óbvia maioria negra em grande parte proveniente do interior paupérrimo dos cafundós do Judas ou dos bairros pobres das periferias das grandes cidades, é claro, mas gente anos luz de poder ser chamado de miserável ou de favelado. Percebi neles todos fortes raízes morais e familiares. Quem não teve pai e mãe, teve padrasto ou avó tomando conta e dando força e incentivando. A pobreza do início da carreira de nossos craques era mais aquela pobreza do cidadão às portas da classe média, e não do pobrezinho que passa fome e dorme em barracos de lona embaixo de pontes. Os mais carentes eram aqueles que precisavam de incentivo financeiro do clube para pagar o ônibus e vir treinar. Tá certo que isso é pobreza mas, convenhamos, nós que já tivemos Garrincha e um monte de outros analfabetos com lombrigas e focos dentários, que já torcemos por jogadores que eram órfãos e só conseguiam comer na concentração, de uma hora para outra descobrimos que o futebol está tão profissionalizado que é impossível agremiar ou orientar atletas sem alguma escolaridade, apoio familiar, renda, além é claro de boa saúde. Essa figura hoje lendária do paupérrimo morto de fome que se salva da marginalidade jogando bola de meia até ser descoberto pelo olheiro de um grande clube europeu não existe mais. Hoje o profissionalismo acabou com os esquálidos que simplesmente brincavam de bola, acabou com os campinhos de terra e as peladas das ruas de chão batido das favelas. Hoje está tudo profissionalizado e há competição e organização até mesmo no futebol amador, no futebol de várzea, dominado por associações e empresários. Todo mundo está pensando em fazer dinheiro o tempo todo, no futebol. E é isso que está acabando com nosso esporte preferido.

Entre a economia e o desporto.
Fui pescar na Argentina anos atrás e passei pela cidade província de Corrientes, perto do Chaco argentino e da divisa com o Paraguai. Na cidade do tamanho de Uberaba divisei só em sua área central uns três ou quatro campos de terra com balizas, marcações e arquibancadas. Isso sem entrar muito cidade adentro, porque nosso passeio era então direcionado para pontos turísticos, o porto, o cassino, o pesqueiro, etc… Se entrasse periferia adentro, pelo que soube do guia, conheceria mais uns cinco ou seis campinhos, tudo naquela cidade média. E estavam cheios de participantes gratuitos de futebol, com pais e mães assistindo das arquibancadas, sem traficantes fechando o local ou impondo toque de recolher, sem que o espaço se perdesse para as mazelas da violência urbana ou fosse subvalorizado pela péssima administração política dos corruptos. Campinhos de terra para gente carente se divertir e jogar e fugir das drogas. Por isso, penso, a Argentina possui o melhor futebol do mundo já faz tempo, independente das copas que não ganhou ou que possa vir a ganhar. Por lá os governos auxiliam e permitem a prática do desporto pelo desporto, como valorização da vida e via de escape da juventude, por mais que em terras argentinas também se procure no futebol o lucro dos euros dos times milionários. É claro que somos todos capitalistas, e não somos ingênuos, mas a prática do futebol na terra de nossos hermanos ainda visa o entretenimento saudável e a integração social. Como deve ser o desporto, como aliás garante que o seria a nossa Constituição Federal, que está mais para uma carta de intenções do que para o efetivo regramento do funcionamento do nosso Estado federativo.

Destrinchando a CBF.
Por mais que os jornalistas joguem tomates podres na CBF, há algumas verdades que precisam ser ditas. Se Ricardo Teixeira estivesse à frente da nossa seleção durante a última Copa, jamais teríamos passado pelo fiasco que passamos. Ele, Teixeira, nos deu duas copas do mundo em vinte anos, além de diversas copas América e copas das confederações. Fomos semifinalistas e finalistas de olimpíadas também durante esse período, e nenhum outro país do mundo conseguiu semelhante façanha dos anos 1990 para cá. Temos a sexta maior liga do mundo, em dinheiro e torcedores, e só perdemos para os grandes europeus. Ninguém nos supera em audiência e bilheteria na América Latina e nosso campeonato é o mais imprevisível do planeta, e portanto dos mais emocionantes. O nosso futebol não está dando certo, e está acabando, não por conta da CBF – que nos últimos anos brilhou, apesar das trapaças questionáveis. É a nossa sociedade doente, em que privamos dos jovens pobres até mesmo o mundo idílico da bola, até mesmo o sonho distante de envergar uma camisa canarinho, é essa sociedade que está acabando com o esporte preferido de todos os brasileiros, tirando-o das periferias, dos campos de terra, enterrando-o nos clubes, nas escolinhas pagas de futebol, na supervisão dos empresários e no excesso de competitividade que transforma em mercadorias as jovens promessas de nossos gramados – gramados estes também cada vez mais escassos.

Renato Zupo,
Magistrado e Escritor

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