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RENATO ZUPO
RENATO ZUPO

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Pós Brasil.

ENTRETANTO

Soube na Espanha que era de fato um brasileiro, não importa que viaje, tenha passaporte europeu ou fale outros idiomas. Somos sempre oriundos do lugar em que crescemos e onde nossos pais nos educaram, onde fizemos amigos e aprendemos a ser gente. Aconteceu que lá fui vítima de racismo, ou xenofobia (como queiram), por ser brasileiro. Um garçom me destratou. Pouco depois fui conhecer uma vinícola e em sua adega diversos toneis de safras e tipos diferentes de vinho, cada um deles apadrinhado por uma celebridade que os assinou. Chorei diante do tonel assinado por Ayrton Senna. Mais tarde fui a um restaurante em Sevilha. No meio do almoço acontecia um show bacana de música flamenca até que a cantora resolveu homenagear as cozinheiras do local, segundo ela foragidas de seu país natal, abandonadas de seus familiares para não morrer de fome. As apresentou a todos e as trouxe ao salão. Eram duas brasileiras. Pois é. Somos brasileiros para o bem e para o mal. Para o orgulho, a dor, a ofensa e o júbilo. É importante saber disso no momento em que nos enredamos em trapalhadas para distribuir a vacina da Covid no país em meio à politização, burocracia e polarização ideológica.

A Ignorância que protege.
Às vezes, para ser patriota temos que nos fechar para realidades exteriores. Claro que podemos reconhecer os problemas e defeitos do nosso país, mas com ternura, como quem reconhece os erros de um filho. Mas estrangeiros não tem a mesma complacência e veem o Brasil como de fato é. Assim é que lá fora somos vistos como um povo desorganizado, corrupto, de péssimo gosto artístico e inculto. Não sou eu quem está dizendo, hein? Vejam só: o filósofo francês Claude Levi Strauss visitou a cidade de São Paulo do início do Século 20 e se assustou com a arquitetura pomposa e fora de moda e as construções precárias daquela então pretensiosa metrópole que surgia. Ele disse mais: a organização social e política de nosso povo era, então, das mais pobres que se poderia imaginar. O político polonês Lech Walesa conheceu Brasília nos anos 1980 e achou a capital federal semelhante ás grandes cidades comunistas por detrás da cortina de ferro comandada pela extinta União Soviética: puro ufanismo estatal arquitetônico, segundo ele.

Mais História.
Nada temos de “cordiais” no sentido terno da palavra. Quem cunhou o adjetivo foi o historiador Sérgio Buarque de Holanda – no entanto, queria se referir à nossa passionalidade, ao nosso sangue quente, não à nossa delicadeza ou carinho. Entendemos mal. Nos idos escravocratas do Século 19, um historiador italiano, Burlamaqui, observou que era comum ouvir senhoras desconfiadas de que os maridos estupravam escravas de que as iriam assar vivas ou queimar esta ou aquela parte estrategicamente eleita do corpo das pobres negras escravizadas. Há relatos, inclusive da famosa escrava alforriada em Diamantina, Xica da Silva, de que as sinhás mandavam arrancar os olhos das mucamas mais bonitas e servi-los à mesa do jantar aos maridos. Isso também era o Brasil.

E nossos ídolos?
Nossa memória é conveniente, porque as gerações que nos antecederam escolheram de maneira oportunista aqueles que seriam os heróis e ícones que continuariam a ser festejados pelas décadas e mesmo séculos seguintes, pouco importando os trechos mais terríveis ou ridículos das biografias e das ideias desses ídolos de araque. Tomás Antônio Gonzaga, um dos inconfidentes mineiros, em suas “Cartas Chilenas”, critica a edificação de cadeias que se destinariam a “negros que vivem em vis cabanas”, e que, portanto, não mereceriam os luxos do cárcere. Aliás, o escritor romântico José de Alencar, cuja obra é até hoje referência de nacionalismo, era contra a abolição da escravidão no Brasil. Santos Dumont só é o pai da aviação para os brasileiros. Para o resto do mundo os aeronautas pioneiros são os americanos irmãos Wright, inclusive, e principalmente, porque decolaram o primeiro avião antes do nosso conterrâneo.

Arte despudorada.
E nossa cultura e nossa arte? Prepare-se para se assombrar. A imensa maioria dos escritores e poetas brasileiros do Barroco até o Romantismo imitava despudoradamente autores estrangeiros: Gregório de Matos era um fake do espanhol Quevedo; Cláudio Manoel da Costa plagiava o poeta italiano Pietro Metastásio; Gonçalves Dias era um clone do estilo de Chateaubriand e… Sabem o nosso Aleijadinho? Antonio Francisco Lisboa, aquele escultor leproso que criou os profetas e santos e adornou as igrejas do interior histórico de Minas Gerais? Só é bem quisto aqui – nos meios acadêmicos artísticos europeus é considerado um brega que se repetia à exaustão, tanto que todos os personagens que recriou da argila e da pedra tinham a mesma cara (reparem nisso).

A volta do orgulho ferido.
Ainda que desconheçamos a parte de nossa história que nos envergonha, temos que nos orgulhar do povo sofrido que somos, quase sempre mal governado, por isto hoje tão amotinado, bélico, polarizado. E pior: confinados por uma pandemia que surgiu do outro lado do mundo. Ainda que sejamos um gigante latino americano, estamos atrás de 50 outros países em que primeiro se promoverá a vacinação contra a COVID, o que é uma vergonha que não merecemos. Mesmo assim, seguimos na luta! Não importa o que digam, somos brasileiros e não desistimos nunca.

O Dito pelo não dito.
“O Brasil não é para principiantes.” (Tom Jobim, músico brasileiro).

 

Renato Zupo
Magistrado e Escritor

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