Elio Gaspari estudou profundamente o período do regime militar brasileiro que retratou em sua quadrilogia \”O Sacerdote e o Feiticeiro\”, relato imperdível dos bastidores dos anos de chumbo daquilo que alguns chamam de revolução militar, outros de contra-revolução, e outros mais de golpe militar. O sacerdote do título é Ernesto Geisel, e o feiticeiro a grande eminência parda, o cérebro por detrás de todo o regime dos generais, o crânio que vaticinou que a abertura política deveria ser gradual, para que as coisas mudassem, mas não mudassem: Golbery do Couto e Silva. Tendo como pano de fundo a biografia destes dois personagens decisivos para a história brasileira, descobrimos que havia uma revolução dentro da revolução, uma linha mole e uma linha dura dentro dos quartéis, que contavam com apoio de polícias e milícias armadas que o então Ministro da Economia Delfim Neto chamava de \”tigrada\”. Delfim, aliás, foi o autor do milagre econômico brasileiro e ocupou o cargo máximo das finanças do país durante o governo do General Médici, quando mais crescemos: 9% ao ano, com pleno emprego e índices decrescentes de mortalidade infantil e analfabetismo. Mas como Médici prendia e arrebentava comunistas, passou para a posteridade como um torturador sanguinário. A função de Golbery e Geisel era primeiro engendrar um meio de evitar que o país fosse à bancarrota durante o desastroso governo João Goulart, livrando-o da aproximação com países de orientação socialista. Em um segundo momento e passada a ameaça do terrorismo comunista, devolver o Estado à sociedade civil e restituir a democracia plena através de um procedimento chamado de \”distensão\” política. Não deu certo e vivemos vinte anos sem eleições livres.
Distopia.
Há quem ache absurda a preocupação antiga dos militares com o comunismo, que jamais tomaria conta do Brasil. E há quem diga que os generais utilizaram o medo do socialismo como bandeira e mote para simplesmente tomar o poder e implementar a ditadura. Os dois argumentos são errados. Nosso país é continental e é certo que o bolchevismo jamais nos conquistaria pelo poder das armas e bombas, como aconteceu na ilha de Cuba. Mas poderíamos perfeitamente ter sido doutrinados através da teoria do filósofo marxista Antonio Gramski, que recomendava fossem conquistadas as cabeças dos professores de faculdade e jornalistas e, assim, de toda a juventude, pelo poder das ideias, fossem elas boas ou más. Assim o comunismo alcançaria Brasília e todo o nosso território, como ocorrido em outros dois países enormes: Rússia e China. E, é claro, morreria muita gente boa no meio do caminho. Quanto à predileção militar pelo poder, o que Gaspari e outros historiadores sérios e imparciais narram é que todos os generais presidentes morreram pobres, sem luxos, e receberam o galardão maior da república, que é a presidência, com reticências e a contragosto, exceção feita a Costa e Silva, um vaidoso cheio de empáfia. Geisel, por exemplo, só aceitou a presidência porque seu irmão Orlando, também General, morria de enfisema, e lamentou-se com um secretário particular: \”que vantagem é essa, ser presidente porque ninguém mais quer ser…\”. Era esse o Brasil daqueles tempos. Ou seja, ninguém queria ser ditador. A ditadura é que era necessária, tristemente necessária – ao menos na opinião dos generais.
E se fosse diferente?
E se os militares tivessem perdido? E se nos transformássemos em mais um país satélite soviético, como queria Eduardo Galeano, escritor uruguaio recentemente falecido? Ora, basta olhar para outros países que aceitaram o domínio do bolchevismo de Lênin e Stálin para se reconhecer que o modelo do país perfeito de economia estratificada e igualdade para todos jamais funcionou. Observem-se, por exemplo, os países do leste europeu, muito mais pobres do que o Brasil, ou Cuba que só agora \”acorda\” para o capitalismo, tarde demais e ainda nas mãos dos irmãos Castro. Se comunismo fosse bom, gente, não cairia o muro de Berlim, que dividia duas Alemanhas, a rica e próspera capitalista da oriental e comunista e tristemente paupérrima. E tem gente que ainda defende ideais socialistas, inclusive dizendo que\”socialismo não é comunismo\” – é aliás o que recomenda uma cartilha do que é politicamente correto encomendada por facções alfabetizadas do governo PT. E é uma mentira, não existe diferença entre socialismo e comunismo, são expressões sinônimas. Não há o\”socialismo moreno\”, como queria Leonel Brizola em seus delírios ufanistas. E, sobretudo, não há socialismo (ou comunismo) com democracia e liberdade. Pelos ideais marxistas se conquista o poder na bala, no piquete de porta de fábrica, no quebra-quebra ou vendendo ilusões populistas para os pobres de espírito e burros de cabeça.
Renato Zupo,
Magistrado e Escritor