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RENATO ZUPO
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O que podemos aprender com os gringos?

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Até o Século XIX o mundo inteiro falava francês. Era a época da influência de Paris e de sua bélle epoque, e todo mundo que se dizia civilizado e eurocentrista – ou seja, quase toda a população economicamente ativa do planeta – aprendia na escola a língua de Balzac e Alexandre Dumas, que praticava ao longo da vida. A língua inglesa era, então, marginal como todo idioma germânico. Apesar de ter suavizado o alemão, era muito menos rica em adjetivos e expressões do que seus ancestrais tedescos. O inglês só era falado na Grã Bretanha e nas colônias britânicas de além mar.

Alguma coisa mudou, entretanto, na virada para o Século XX. Primeiro, uma literatura pulsante, popular sem vulgaridade, o entretenimento elegante dos folhetins ingleses foi tomando conta da Europa culta, até ultrapassar as fronteiras ultramarinas e alcançar o novo mundo, a América. Depois da literatura, vieram as demais artes: a música e o cinema, principalmente este último, que se enfronharam no cotidiano da população consumidora de cultura ao redor do mundo, a ponto de não somente difundir e popularizar o inglês, mas também inserir os Estados Unidos, principal colônia inglesa e xodó da rainha Vitória, nesta luta renhida pela difusão da cultura britânica pelo mundo afora. Os Eua foram fundamentais nisso, através da indústria cinematográfica, da sétima arte como conceito, do Rock e, por fim, de Hollywood, E foi através do cinema que todos nos entronizamos nas tradições britânicas e americanas do halloween, do thanksgiving day,dos bailes de formatura das escolas de graduação, das chearleaders, das colônias de férias, das liquidações de garagem… Enfim, tudo aquilo peculiar ao mundo anglo saxão, e até então só a ele, pulverizou-se pelo universo de leitores de livros e espectadores de filmes e ouvintes de música. A tal ponto que muitos puristas nos consideram, a nós do terceiro mundo, colonizados culturalmente pela bandeira britânica e, mais ainda, pelos americanos.

Veja-se a força e a pujança da arte e da cultura. E verifiquemos como somos atrasados neste quesito. Um pré adolescente como o meu filho mais velho conhece e freqüenta festas de Helloween, mas pouco vai a festas juninas e jamais conheceu uma festa do divino, um bumba meu boi. Meninos e meninas de hoje lêem os livros e assistem aos filmes do bruxinho Harry Potter, mas desconhecem a obra do genial Monteiro Lobato. Ouvem rock, mas desconhecem o samba e suas múltiplas ramificações. Culpa nossa. Não somente não divulgamos e valorizamos nossa cultura como deveríamos, mas também lidamos com ela com academicismo, como se fosse peça de museu e matéria de escola. A cultura não é palatável sem seu incondicional e imprescindível viés de entretenimento. Perdemo-nos tentando fazer arte, com estéticas tão modernosas que só agradam aos doutores: foi assim com o cinema novo, a poesia concretista, a literatura ambígua e política que só agradava universitários e que poluiu nossas livrarias no século passado. Esquecemo-nos que arte é estética e estética é o conhecimento do mundo pelos sentidos! Logo, arte tem que agradar, divertir, ser \”gostosa\” de se perder tempo com ela.

As conseqüências de nosso trato rude com a cultura só agora vêm sendo percebidas, porque só agora vêm sendo vencidas. A televisão veio para vingar nosso cinema pífio, a ponto de influenciá-lo e melhorá-lo, tornando-o mais inteligível ao homem médio. A literatura brasileira vive um boom desde Paulo Coelho, que nos mostrou aquilo que se escancarava diante de nossos olhos, mas não tínhamos capacidade para ver: obras literárias tem que ser prazerosas de serem lidas. Não são trabalhos de conclusão de curso de faculdade ou cartas endereçadas para sua mãe e que só significam alguma coisa para vocês dois. Somente difundindo nossa cultura, divulgamos o que nós somos e ultrapassamos nossas fronteiras geográficas com a história de nosso povo, que pode ser interessantíssima se bem contada. A linguagem falada pode ser o Português – idioma que nos isola -, mas a forma de utilizá-la pode ser universal, e encantar o mundo.

Se cultura e educação convivem como xifópagas, a falta de traquejo brasileiro na arte repercute na formação de nossos estudantes, alunos, jovens, e repercute tristemente. Sou juiz de direito. Recebo cartas de presos todos os dias, quase sempre, e obviamente, em Português. Péssimo português, iletrado, de pobrezinhos analfabetos funcionais. Não tiveram acesso à cultura de boa qualidade, ao lado lúdico das letras, o que os incapacitou e fustigou das escolas. Porém, uma única vez recebi uma carta de um preso não-brasileiro, um boliviano, obviamente escrita em espanhol, e de excelente qualidade, citando entre aspas o poeta chileno Pablo Neruda, em linguagem riquíssima. Isto vindo de um Boliviano, país bem mais pobre que o Brasil, mas que no entanto não é tão pobre assim na valorização de seu idioma, de seus costumes e, principalmente, de sua arte. Não aprendemos com ingleses e americanos. Vamos, ao menos, aprender com nossos vizinhos mais ao sul.

 

Renato Zupo,
Juiz de Direito e Escritor. Autor dos romances \”Rio da Lua\” e \” Verdugo\”.

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