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RENATO ZUPO
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Labirinto Jurídico

ENTRETANTO

Explicar para um leigo como funciona o sistema punitivo no Direito brasileiro nunca foi tão difícil. A lei já não é clara e seus aplicadores a complicam mais ainda. Em primeiro lugar, há a acusação, que norteia o processo penal. É o pedido condenatório formulado quase sempre pelo Ministério Público que irá fixar os limites daquilo que será discutido na ação penal. Geralmente o Promotor se embasa em um inquérito policial para formular a denúncia, que é o pedido de condenação do réu que, citado, vai se defender dos estritos termos da acusação. Significa dizer, se o MP afirma que Joaquim roubou, pouco importa se Joaquim é indigente ou abastado, se estava embriagado ou sob efeito de drogas, se é primário ou reincidente. O que importará na ação penal é descobrir se ele roubou ou não. E o ônus da prova disso é da acusação. Não só a certeza da inocência absolve o réu, mas a dúvida também o faz. Não fui eu quem o disse, mas um jurista italiano: a pena deve pesar não sobre o réu, mas sobre aquele que é certamente o réu, certamente e induvidosamente o culpado. Só com esta certeza absoluta, depois de colhidas as provas, o juiz poderá condenar. Mesmo assim, graças a um labirinto de normas e entendimentos e garantias constitucionais, não é isso que levará Joaquim, o nosso réu do exemplo, à punição. Essa condenação para valer deverá ser confirmada por um Tribunal Recursal, um colegiado de magistrados. Antes disso, não se pode falar em culpa dado o princípio constitucional da presunção da inocência. Mas a coisa não para aí: agora se discute no STF e nas mesas de bar que nem mesmo essa confirmação da condenação é suficiente. Seria imprescindível o esgotamento de todas as enormes e inúmeras plêiades recursais para que então, e só então, se pudesse considerar alguém culpado, condenando e punindo. Dá pra entender uma barafunda dessa?

O Processo Acusatório.

Para que um sujeito seja processado, lá no início da ação penal, é necessário um juízo prévio de culpa – só isso já difere este indivíduo de outros, não processados. Para que tome assento no banco dos réus, o sujeito já passou por inúmeros percalços: um policial militar que o flagrou dirigindo bêbado já colocou isso na ocorrência policial; um delegado ratificou este flagrante e depois indiciou o indivíduo por entender que, sim, ele dirigia bêbado ao volante; inquérito encaminhado ao Promotor, conferido pelo notável representante do Ministério Público, este já disse que, sim, o cidadão em questão cometeu crime ao dirigir bêbado – tanto que pede ao juiz sua condenação. Tudo isso torna o cidadão da nossa historinha bem diferente de alguém primário e dotado de bons antecedentes. Pode ser que seja inocente e que lá na frente, ao fim e ao cabo, se prove sua inocência. Isso é outra história. Mas suponhamos que após a denúncia e o processo, seja esse cidadão condenado. Convenhamos, é muito difícil que o policial militar que autuou o réu, o delegado que o indiciou, o promotor que o acusou e, por fim, o juiz que o condenou, estejam todos errados, e só o réu e sua defesa corretos. Ainda assim cabe recurso, e (novamente) suponhamos que nele ocorra o que quase sempre ocorre: confirma-se a condenação. Diante deste amplo cenário acusatório, deste raciocínio redundante de certeza da culpa, dizer que não há base segura para o cumprimento da pena e que é prematura a execução da condenação é um exagero que decorre do tal princípio da presunção de inocência. Em pouquíssimos países do mundo a sentença condenatória é insuficiente para impor a pena e, no Brasil, se exige de fato muito mais: confirmações e mais confirmações desta condenação por tribunais superiores.

Tardio castigo.
Após recursos e mais recursos, argumentos dialéticos pra cá e pra lá, uma tour interminável do processo pelos tribunais, advém a inexorável prescrição e, dela, a inevitável impunidade. É por isso que se briga pela efetividade jurisdicional: condenou-prendeu e absolveu-soltou. É o meu prognóstico e a minha cartilha. Quem quiser mais precaução, vá lá: a condenação tem que ser confirmada por um Tribunal. Tudo bem, é um raciocínio honesto, prudência e canja de galinha são sempre bons. Agora, ir além disso, entremear o processo em um caudaloso pântano recursal, um labirinto jurídico kafkiano, é impedir a punição do culpado. Vejo nisso a vontade oculta de fazer com que o Estado não funcione. A firme obsessão de sabotar a cidadania e fulminar mais ainda a credibilidade da justiça penal.
Renato Zupo,
Magistrado e Escritor

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